A pauta da violência

O interesse do público conjugado ao interesse público: além de as mulheres serem mais da metade da população, a pesquisa de opinião Data Popular/Instituto Patrícia Galvão revelou que a violência contra as mulheres está na agenda de preocupações da sociedade.

Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013)

Pesquisa Percepção da sociedade sobre violência e assassinatos de mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão, 2013)

Sabemos que a mídia em geral, e a imprensa em particular, tem um grande poder e desempenha um importante papel em nossa sociedade. Entre essas atribuições, estão:

  • definir a agenda de debates;
  • influenciar a opinião pública;
  • sensibilizar formuladores e gestores de políticas;
  • monitorar políticas públicas.

Dessa forma, a imprensa tem a responsabilidade social de alertar, conscientizar e sensibilizar a respeito da gravidade do problema da violência contra as mulheres e também ao contextualizar o problema e cobrar dos órgãos responsáveis a qualidade e abrangência dos serviços prestados.

Nesse sentido, o Dossiê Violência contra as Mulheres reúne ferramentas para contribuir com a divulgação de informações qualificadas e o debate contextualizado e profundado sobre a violência contra as mulheres no Brasil.

“O Dossiê nos ajuda a contextualizar melhor as histórias, mostrar sua complexidade, porque às vezes ao fazer uma denúncia de uma violência contra a mulher a imprensa acaba cometendo uma outra violência ao reproduzir estereótipos, individualizar aquilo que na verdade tem um contexto muito mais amplo, simplificar e reduzir o que é complexo.”
Eliane Brum, jornalista e escritora

 

O que a imprensa pode fazer

  • informar sobre a real magnitude da violência de gênero, tanto no Brasil como no mundo, divulgando números atualizados e obtidos de fontes confiáveis. É importante informar que a violência contra as mulheres, em especial a violência doméstica, não distingue raça, classe social ou nível cultural, atingindo – ainda que de forma diferenciada – mulheres de todos os tipos e idades e de todos os lugares;
  • divulgar e avaliar os serviços disponíveis, mostrando o trabalho realizado e entrevistando profissionais que atuam em delegacias da mulher e em organizações não-governamentais que dão a primeira assistência às mulheres e meninas, os serviços de referência nos hospitais, que prestam atendimento multidisciplinar às vítimas de violência sexual, as casas-abrigo, que recebem as mulheres que não têm para onde fugir, e os serviços judiciários que visam proteger a mulher e responsabilizar o agressor;
  • buscar causas, fatores e soluções, aprofundando a abordagem e contextualizando o problema;
  • acompanhar os debates sobre as propostas legislativas que afetam os direitos das mulheres vítimas de violência (não apenas leis, mas também as políticas públicas e os serviços que devem concretizar esses direitos;
  • mostrar que o combate à violência contra as mulheres é um compromisso assumido pelo Estado brasileiro ao assinar tratados e convenções internacionais, como a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher), assinada pelo Brasil em 1994 e ratificada em 1995, e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979), promulgada pelo Decreto nº 89.460, de 20/03/1984.

A força da pauta da violência contra as mulheres

Durante o I Seminário Internacional Cultura de Violência contra as Mulheres, o assessor de comunicação e informação para o Mercosul e Chile da Unesco, Guilherme Canela, lembrou que um dos problemas que dificulta uma abordagem contextualizada e aprofundada sobre a violência baseada nas desigualdades de gênero no Brasil é que o enquadramento das matérias costuma ser bastante individualizado.

“Temos que ir além de exigir uma cobertura politicamente correta, precisamos ampliar o enquadramento do jornalismo. A mídia em vários países da América Latina acha que discutir questões de direitos humanos ou é uma questão menor de veículos especializados ou acha que as matérias realmente potentes são aquelas que são feitas pelos grandes jornais internacionais que têm coberturas de direitos humanos. Qualquer bom jornalista de qualquer jornal ou meio, seja que tamanho que for, pode fazer uma contribuição relevante para a área de direitos humanos em geral e para a área de direitos humanos das mulheres em particular”, frisou.

O especialista lembrou que um dos principais prêmios do jornalismo mundial – o Pulitzer – consagrou um jornal regional da Carolina do Sul (EUA) em 2015, o The Post and Courier, que fez uma série especial sobre violência doméstica e o assassinato de mulheres. “O segredo de um pequeno jornal como este ganhar um Pulitzer é associar a discussão dos crimes às políticas públicas”, recomenda Guilherme Canela.

Veja a seguir a mensagem (em inglês) enviada ao Seminário por Glenn Smith, jornalista e editor de projetos especiais do jornal The Post and Courier (EUA), que recebeu o Prêmio Pulitzer pela série “Till Death Do Us Part” sobre os feminicídios na Carolina do Sul em decorrência da violência doméstica e da omissão do Estado:

“A série de reportagens é um exemplo de como deveria ser tratado esse tema, retirando-o das páginas policiais e trazendo para outros cadernos. O fato de um pequeno jornal ganhar um Pulitzer com este tema traz à tona a importância, a magnitude da violência contra as mulheres na nossa sociedade. E no Brasil, à exceção de algumas poucas iniciativas em TV, não temos isso, especialmente na mídia impressa”, ressaltou Fátima Pacheco Jordão, socióloga especialista em pesquisas de opinião e conselheira do Instituto Patrícia Galvão.

Efemérides: acesse aqui informações sobre as datas mais significativas do calendário do movimento mundial de enfrentamento à violência contra as mulheres

Personagens: cuidados e onde encontrar

Embora as/os especialistas relutem em indicar nomes de mulheres que sofreram violência para serem entrevistadas, os depoimentos em primeira pessoa costumam ser valorizados pelos veículos de comunicação. Esses depoimentos podem ser importantes para dar força e veracidade a uma reportagem, aumentando não apenas sua capacidade de convencer como de comover, indignar e mobilizar. Porém, alguns cuidados são necessários para evitar que a repetição da violência sofrida acabe se tornando um novo trauma para a pessoa que é entrevistada.

Além dos preparativos que toda/o profissional deve fazer antes de redigir uma matéria, como ler a respeito do assunto e conversar com especialistas, é preciso cuidado redobrado ao entrevistar uma mulher ou menina que viveu uma situação de violência.

Deve-se ter em mente que a experiência da violência é extremamente dura e permanece viva durante muito tempo na mente e na vida da vítima. Mesmo que ela tenha consentido previamente em conversar com a/o jornalista, a entrevista pode fazê-la reviver a violência, o que pode ser extremamente difícil ou até insuportável para ela, que pode mudar de idéia e desistir de conceder a entrevista, decisão que deve ser respeitada.

Procure um serviço de apoio para entrar em contato com a fonte
Diante deste quadro, o caminho mais recomendado para entrevistar uma mulher que passou pela situação de violência é procurar o serviço especializado no acolhimento de vítimas. Os profissionais desse serviço poderão auxiliar a encontrar uma possível entrevistada que já esteja fortalecida para falar da violência sofrida, além de dar o apoio necessário para que essa situação contribua com seu processo de superação e não seja traumatizante.

Confira aqui onde encontrar serviços da rede de atendimento às mulheres vítimas de violência e veja a seguir alguns cuidados que podem fazer diferença no momento da entrevista:

Mostre delicadeza, tato, empatia e paciência
É importante não confinar a pessoa ao lugar de vítima. Mostre que quer ouvi-la, que entende que ela passou por momentos difíceis e que não está lá para fazer qualquer espécie de julgamento, nem sobre o comportamento dela nem sobre o do agressor (não esqueça que, em muitos casos, a mulher mantém uma relação de intimidade e afetividade com o autor da violência).
Pode ser que não seja possível concluir a entrevista no mesmo dia. Talvez seja mais conveniente voltar outro dia em que ela se sentir com condições de falar a respeito.

Cuidados com imagens e voz
Antes de gravar imagens ou voz, é importante realizar uma avaliação, juntamente com a mulher e a/o profissional que a indicou, sobre o grau de risco ao qual ela poderá estar sendo exposta.
Se ela autorizar a gravação, mas não quiser ser identificada, permitindo apenas que sejam feitas imagens de costas ou borradas e com a voz distorcida, certifique-se de que o resultado será satisfatório, isto é, que realmente não será possível identificar a mulher.

No caso de uma criança
O cuidado deve ser ainda maior. Não apenas porque se trata de uma criança, isto é, de um ser ainda em formação e fragilizado pela violência vivida, mas porque se deve respeitar integralmente seus direitos, conforme estabelece o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).