É bastante comum nos casos de violência sexual que o comportamento da mulher que foi vítima seja questionado. Isso não deve acontecer – é preciso afastar-se dos julgamentos morais e preconceitos. A não revitimização também exige que, nessa escuta, evitemos os aconselhamentos, a solidarização de forma infantil, além da repreensão. O foco deve ser sempre oferecer apoio e acolhimento à vítima, escutá-la e auxiliá-la a saber mais sobre seus direitos e os serviços que podem ser acionados.
Além disso, é preciso entender que nem toda vítima terá condições de fornecer relatos pormenorizados da violência que sofreu. Por isso, evite a cobrança de detalhes impossíveis de serem fornecidos, como o tempo exato e/ou a ordem cronológica dos acontecimentos. E lembre-se: não existe perfil de vítima e nem de agressor – o comportamento de quem sofre a violência não deve ser colocado em questão e não existem monstros – ou seja, mesmo uma pessoa cordial na vida social pode ser autora de uma violência sexual.
Por ser um momento difícil e doloroso, é muito importante que a vítima possa contar com a companhia e o apoio de alguém de sua confiança quando for denunciar a violência em uma delegacia de polícia civil. Por isso, sempre que possível, coloque-se à disposição para acompanhá-la durante a denúncia e, inclusive, ajude-a a verificar se há delegacias especializadas no atendimento à mulher no município.
É importante saber que denunciar uma violência costuma não ser um processo fácil para as mulheres – muitas têm medo de serem desacreditadas ou mesmo de sofrerem uma nova violência na delegacia. Por isso, não a pressione para tomar uma atitude – sua vontade e tempo devem ser respeitados.
Acionando o Ligue 180 – a Central de Atendimento à Mulher, que recebe ligações telefônicas gratuitas de todo o país, de forma confidencial – você pode receber orientações sobre direitos e a rede de serviços públicos disponíveis. O Ligue 180 também funciona como um canal de denúncia, encaminhando os casos aos órgãos estaduais da Segurança Pública e do Ministério Público.
A seguir, confira também as orientações sobre como oferecer suporte a alguém que sofreu uma violência sexual. E não se esqueça: a culpa nunca é da vítima!
O que preciso saber para apoiar uma vítima de violência sexual?
A promotora de justiça Silvia Chakian, do Ministério Público de São Paulo, traz orientações sobre como apoiar uma mulher que foi vítima de violência sexual.
Assédio sexual
- Em primeiro lugar, saiba identificar uma situação de assédio sexual: ofensas, dizeres ou gestos ofensivos/inapropriados, tocar, apalpar, passar a mão, encoxar, se esfregar, forçar beijo, segurar o braço, impedir a saída, ejacular na direção da vítima, sobre seu corpo ou suas vestes, são alguns exemplos comuns de práticas de assédio sexual que podem acontecer em espaços e contextos diversos, como em casa, no trabalho ou em espaços públicos.
- No ambiente de trabalho, alguns sinais que podem indicar que alguém ao seu lado está sendo vítima de assédio sexual: isolamento dos demais colegas; fragilidade, medo, receio, timidez atípica; perda de autoconfiança e interesse pelo trabalho; propensão a doenças; solicitação de afastamentos, licenças ou demissão.
- Caso você tenha presenciado alguma prática de assédio sexual, ofereça-se como testemunha e, sempre que possível, ajude a vítima a fazer registros (fotografe/filme).
- Saiba que diferentes comportamentos de assédio sexual são considerados crimes: importunação sexual; assédio sexual; ato obsceno; injúria; perturbação da tranquilidade; estupro ou estupro de vulnerável; entre outros. Caso o autor seja alguém com quem a vítima teve ou tem vínculo afetivo ou familiar, a Lei Maria da Penha poderá ser acionada.
- Ajude a vítima fazer uma denúncia: ofereça-se para ajudar a vítima a fazer uma denúncia junto às autoridades policiais. Mas não a pressione para tomar uma atitude: sua vontade e tempo devem ser respeitados. Na delegacia, caso a autoridade policial se recuse a registrar o boletim de ocorrência, ajude-a a fazer uma reclamação na ouvidoria do órgão.
Estupro
- Estupro é uma das formas mais graves de violação aos direitos humanos. Por isso o acolhimento de quem sofre a violência sempre deve ser a prioridade.
- Ofereça uma escuta sem julgamentos, não culpabilizando a vítima e nem desqualificando ou duvidando de seu relato.
- Ajude a vítima a buscar informações e a acessar serviços e profissionais especializados, como o atendimento de saúde para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis, como o HIV/Aids, além de evitar uma gravidez indesejada. Para que os tratamentos tenham eficácia, o recomendado é que sejam iniciados o quanto antes, em até 72 horas após a violência. Mas não pressione a vítima para tomar uma atitude. Caso ela não consiga ir dentro desse período, ainda assim vale buscar o atendimento de saúde, que também inclui apoio psicológico e encaminhamento para a assistência social, tão essenciais no processo de fortalecimento.
- É importante reafirmar para a vítima que a busca por ajuda médica não tem nenhuma ligação com a polícia. A vítima tem sigilo médico-paciente e, por isso, pode buscar ajuda médica logo após a violência e depois ir à autoridade policial quando se sentir preparada.
- Saiba que a gravidez em decorrência de um estupro costuma ser uma segunda violência para a mulher. Caso ela decida interromper a gestação, ofereça ajuda para encontrar um hospital de referência no seu estado. É importante saber que, para ter acesso ao procedimento, não é preciso apresentar boletim de ocorrência policial ou autorização judicial. Todos os documentos necessários serão coletados no próprio hospital. O importante é que a mulher seja respeitada e não julgada em sua decisão.
- Ajude a vítima fazer uma denúncia: sempre que possível, ofereça-se para ajudar a vítima a fazer uma denúncia junto às autoridades policiais. Mas não a pressione para tomar uma atitude: sua vontade e tempo devem ser respeitados. Na delegacia, caso a autoridade policial se recuse a registrar o boletim de ocorrência, ajude-a a registrar uma reclamação na ouvidoria do órgão.
Violência de gênero online
- Saiba quais são as principais formas de violência de gênero online: divulgação não consentida de imagens e vídeos íntimos, sextorsão (ameaça de divulgar conteúdos íntimos), stalking (perseguição obsessiva), cyberbullying (divulgação de conteúdos para intimidar, hostilizar ou linchar virtualmente a vítima), invasão da privacidade com o chamado doxxing (pesquisa e divulgação dos dados pessoais da vítima).
- Não julgue ou questione a mulher pelo seu comportamento ou expressões da sexualidade. Frases como “por que você fez e mandou aquela foto?” ou “por que começou a conversar com aquela pessoa?” não ajudam. O foco deve ser sempre dar apoio e acolhimento, escutar e ajudar a saber mais sobre os direitos e os serviços que podem ser acionados.
- Reúna informações sobre direitos e, quando possível e necessário, sobre profissionais que possam dar apoio, inclusive psicológico. A Safernet Brasil e a Marias da Internet atuam especificamente na campo da violência online.
- Ajude a vítima a armazenar provas da violência (fazer prints, salvar mensagens, desativar contas) e, se possível, faça isso por ela para que ela possa ficar distante do conteúdo tóxico;
- Após armazenar as provas, ajude a vítima a denunciar nas plataformas: o recomendado é que essa denúncia seja feita o mais rápido possível para que o conteúdo seja indisponibilizado o quanto antes.
- Ajude a vítima a denunciar nos sistemas de segurança e justiça: sempre que possível, ofereça-se para ajudar a vítima a fazer uma denúncia pelo Ligue 180 e também presencialmente nas delegacias da polícia civil. Mas não a pressione para tomar uma atitude: sua vontade e tempo devem ser respeitados. Na delegacia, caso a autoridade policial se recuse a registrar o boletim de ocorrência, registre uma reclamação na ouvidoria do órgão.