O corpo é nosso: a cobertura da mídia religiosa e tradicional sobre direitos sexuais e reprodutivos (Intervozes, 2023)

Instituição/Órgão
Âmbito
Ano
  • 87,5% das matérias publicadas nos portais religiosos são contrárias ao aborto, e 58,33% delas usam termos pejorativos para se referir ao aborto ou aos direitos sexuais e reprodutivos.
  • O formato das matérias dos portais religiosos, muitas vezes, é jornalístico; o conteúdo, não. Assim, esses veículos aproveitam-se da legitimidade reivindicada pelo jornalismo para divulgar conteúdos baseados apenas em crenças, questionando a ciência, e silenciando grupos religiosos com posicionamentos diferentes.
  • A maior parte das fontes ouvidas por esses portais são homens, muitas vezes os líderes religiosos considerados legítimos por esses veículos (das 109 fontes ouvidas nos dois veículos, 50 ou 45,87% são homens e 30 ou 27,52% são mulheres; as demais são instituições).
  • Apesar de respeitar o aborto previsto em lei no Brasil, em geral, a imprensa relaciona pouco o tema à cultura do estupro: 43,92% das matérias do jornalismo comercial, ou 141 de 321, mencionaram essa questão. No entanto, essas matérias não abordam em profundidade o tema, e o debate público segue ignorando o silêncio em torno da cultura do estupro e outras violências de gênero, silêncio esse que existe inclusive na escola.
  • Acontecimentos específicos e chocantes relacionados a aborto muitas vezes recebem cobertura midiática exaustiva, como um fato isolado, representando um risco de exposição para a vítima e sua família. No caso da menina estuprada no Espírito Santo, observa-se que faltam contextualização, dados, aprofundamento nas causas e consequências do aborto previsto em lei e no impacto disso para mulheres, em especial as negras e pobres.
  • O Estadão, diferente dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, foi contrário ao aborto da menina de dez anos estuprada no Espiríto Santo. Os argumentos se assemelham aos religiosos contrários ao aborto, reproduzidos em falas feitas nas audiências públicas e encampados pelo dois veículos de mídia religiosa estudados: os portais Canção Nova e Gospel Mais.
  • Em se tratando da análise realizada no site da Agência Brasil, no caso da criança do Espírito Santo, não foi feita nenhuma relação entre o acontecimento e o governo Bolsonaro nas três matérias publicadas sobre o tema, mesma quantidade publicada no período das portarias. Para se ter uma ideia, no primeiro período, foram 34 publicações.
  • Nos três períodos analisados, percebe-se a mudança de tom da Agência Brasil. Enquanto, no primeiro, foi dado espaço e voz as diversas pessoas e entidades presentes nas audiências públicas sobre a ADPF 442, durante o segundo e o terceiro período, a cobertura sobre os temas considerados sensíveis aos interesses do governo eliminou a existência da pluralidade de entrevistados.

Sobre a pesquisa 

A pesquisa “O corpo é nosso: a cobertura da mídia religiosa e tradicional sobre direitos sexuais e reprodutivos”, realizada pelo Coletivo de Comunicação Intervozes, abrange períodos distintos marcados por três episódios relacionados à temática do aborto no Brasil. São eles: as audiências da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, tema analisado de 1º a 10 de agosto de 2018; o caso da menina de dez anos estuprada e impedida de abortar no Espírito Santo, analisado de 11 a 20 de agosto de 2020; e a publicação das portarias 2.282/2020 e 2.561/2020 pelo Ministério da Saúde sob o governo de Jair Bolsonaro, que há época impôs regras mais duras para a realização do aborto previsto em lei, tema analisado de 28 de agosto a 1º de setembro e de 24 a 28 de setembro de 2020.

Metodologia do estudo

Para a pesquisa foram selecionados três telejornais (Jornal Nacional, Jornal da Record e SBT Brasil), uma agência pública de notícias (Agência Brasil), três jornais impressos, em suas versões on-line (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo O Globo) e dois sites religiosos (o católico Canção Nova e o evangélico Gospel Mais), em três períodos diferentes, referentes à repercussão dos três temas mencionados acima. No total, a pesquisa abrangeu 409 matérias publicadas nos nove veículos.

As matérias foram selecionadas a partir dos bancos de dados de cada veículo por meio da palavra-chave “aborto”, para entender de que forma o tema como um todo é pautado nos veículos escolhidos para a pesquisa. Do total de ocorrências na busca, foram excluídas as matérias em que o aborto era citado quase que por acaso, mantendo apenas aquelas em que o aborto era citado mesmo não sendo o assunto principal, como em matérias sobre eleições em que o tema aparece como preocupação dos candidatos ou provocação dos veículos

Para a análise da cobertura, foi feito um questionário, respondido pelas pesquisadoras para cada matéria divididas em três blocos: 1) caracterização geral da amostra; 2) indicadores normativos (qualidade da cobertura a partir de critérios jornalísticos, incluindo análise das fontes ouvidas e dados citados nas matérias); e 3) indicadores qualitativos (que ajudam a entender as abordagens principais sobre o tema). Portanto, o questionário buscou observar o maior ou menor destaque dado ao tema por cada veículo; os tipos de fontes que são chamadas a falar sobre o tema e o destaque dado a elas; o uso ou não de dados de pesquisas e legislações nacionais e internacionais que possam se constituir em informações confiáveis e aprofundadas à audiência; e um conjunto de perguntas que busca compreender a partir de que perspectivas o aborto é tratado na mídia.

Saiba mais sobre a pesquisa