Percepções sobre a violência e o assédio contra mulheres no trabalho (Instituto Patrícia Galvão/Locomotiva, 2020)
- Instituição/Órgão
- Instituto Locomotiva / Instituto Patrícia Galvão
- Âmbito
- nacional
- Ano
- 2020
36% das trabalhadoras dizem já haver sofrido preconceito ou abuso por serem mulheres; porém, quando apresentadas a diversas situações, 76% reconhecem já ter passado por um ou mais episódios de violência e assédio no trabalho.
E como se sentem e reagem as mulheres que já viveram essas situações?
Tristeza, ofensa, humilhação e raiva são os sentimentos mais comuns; apenas 16% disseram não ter se importado.
Em apenas 28% dos casos relatados, a vítima soube que o agressor sofreu alguma consequência. Em 39%, a vítima não soube o que houve com o agressor e em 36% nada aconteceu e ele não foi punido.
Já com relação à vítima, a maior parte tratou o caso no âmbito individual: confrontando pessoalmente o agressor ou evitando contato, contando apenas para amigos e familiares ou pedindo demissão; 11% não formalizaram a denúncia por terem sido assediadas pelo superior e 10% por terem visto o mesmo ocorrer outras vezes, sem solução; e 3 em cada 10 consideraram que o episódio não havia sido grave o suficiente para ser levado adiante.
Dos casos que foram denunciados:
- em apenas 34% a empresa ouviu o relato da vítima e puniu o agressor;
- em 12% a empresa sequer ouviu a vítima.
- Um quarto das mulheres que foram assediadas passou a desconfiar das pessoas com quem trabalham e/ou não tiveram mais vontade de ir trabalhar; 21% saíram da empresa.
Naturalização das práticas de assédio e constrangimento no trabalho
No ambiente de trabalho, algumas práticas relacionadas a características físicas das trabalhadoras são, muitas vezes, naturalizadas. Para 57%, aparência física deve ser observada na contratação e, para 49%, não há nada errado em homens elogiarem a aparência de mulheres no trabalho, percepção que é maior entre homens (51%) do que entre as mulheres (45%).
Algumas opiniões que invisibilizam as desigualdades entre homens e mulheres também são, muitas vezes, naturalizadas: embora a maioria reconheça a sobrecarga das mulheres com as tarefas domésticas, para 85% o que acontece em casa não pode impactar o rendimento delas no trabalho.
Menos oportunidades para as mulheres e mais discriminação
Há a percepção geral de que o trabalho doméstico (em especial o cuidado com os filhos) prejudica mais as mulheres do que os homens no mercado de trabalho. Para a maioria, ter filhos diminui as oportunidades das mulheres no mercado de trabalho, impactando mais a carreira delas do que a dos homens.
Além do reconhecimento de que as mulheres em geral têm menos oportunidades no mercado de trabalho, há também a percepção de que alguns grupos de mulheres – como as que têm mais de 50 anos, negras, lésbicas e trans – têm menos oportunidades, embora grande parte não reconheça a disparidade salarial entre mulheres negras e brancas.
Ao mesmo tempo em que é grande a percepção do impacto da maternidade no trabalho – 87% concordam que “uma mulher tem mais medo de contar que está grávida ao seu/sua superior do que um homem que será pai” –, a maioria discorda de que “em uma entrevista de emprego, é importante saber se uma candidata jovem pretende casar-se e ter filhos”. Mais mulheres (65%) do que homens (56%) manifestam essa discordância.
Reconhecimento da violência doméstica
Para 7 em cada 10, as vítimas de violência doméstica têm um desempenho pior no trabalho. E o problema está por perto: mais da metade desconfia de que uma colega seja vítima.
E como romper com essa realidade?
Há consenso sobre a importância de ações de sensibilização e conscientização para que essas situações não ocorram, como distribuição de material informativo e palestras educativas para conscientizar funcionários/as.
Também há amplo apoio para ações de denúncia, acolhimento à vítima e punição ao agressor, como canais de denúncia anônima, apoio psicológico e a implementação de uma política efetiva de punição do agressor.
Já quando o assunto é violência doméstica, para grande parte dos/as trabalhadores/as, os arranjos para romper com a situação devem ser individuais, e não institucionais – muito embora 95% da população apoie que as empresas façam palestras sobre o tema para sensibilizar seus funcionários.
Impactos da pandemia sobre as trabalhadoras
A pandemia trouxe novos desafios para as mulheres – instabilidade financeira, preocupações e desentendimentos e a ampliação da sobrecarga do trabalho doméstico –, tornando ainda mais difícil conciliar o trabalho remunerado e o cuidado com os filhos e a casa.
Mais instabilidade financeira
- 34% perderam o emprego
- 44% tiveram redução de salário
- 56% tiveram redução de jornada de trabalho e salário
- 64% ficaram com medo de perder o emprego
Mais preocupações e desentendimentos
- 36% – mais discussões / desentendimentos que o normal com o/a companheiro/a (entre quem tem companheiro/a)
- 37% – mais discussões / desentendimentos com as pessoas que vivem com você na mesma casa (entre quem vive com mais gente)
- 88% – forte preocupação com o adoecimento próprio ou de familiares
Mulheres sentiram mais o aumento das tarefas domésticas com a pandemia
A dificuldade de conciliar trabalho remunerado e doméstico na pandemia é mais sentida entre as mulheres:
- 72% tiveram aumento da carga de trabalho doméstico em geral (x 45% dos homens)
- 78% tiveram aumento da carga de cuidado com os filhos/as (entre quem tem filhos/as)
Sobre a pesquisa
A pesquisa Percepções sobre a violência e o assédio contra mulheres no trabalho foi realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva, com apoio da Laudes Foundation. Participaram do estudo online 1.500 pessoas (1.000 mulheres e 500 homens), com 18 anos de idade ou mais, entre 7 a 20 de outubro. A margem de erro é de 2,9 pontos percentuais.
A pesquisa vem em um momento muito oportuno. Ela acontece no ano em que – com a pandemia do Covid-19 – as desigualdades se tornam ainda mais evidentes, com destaque ao aumento exponencial da violência de gênero associada às medidas de confinamento, pressões econômicas e incertezas sobre o futuro, além da jornada contínua das mulheres, com cuidados com os filhos, familiares, a casa, simultaneamente ao trabalho realizado de casa. Além disso, a pesquisa retrata todos os aspectos mencionados na Convenção 190 da OIT que versa sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho.
Luciana Campello, diretora do programa de Direitos e Trabalho da Laudes Foundation
As mulheres vivenciam uma série de situações de assédio e constrangimento no ambiente de trabalho que acabam sendo naturalizadas, ou seja, tratadas como situações cotidianas, de pouca importância. É preciso falar sobre assédio no trabalho de forma ampla, inclusive nas empresas, coibindo essas situações e dando a devida relevância institucional ao tema, hoje tratado no âmbito individual, trazendo ainda mais sofrimento para as mulheres vítimas.
Maíra Saruê Machado, diretora de pesquisa do Instituto Locomotiva
A pesquisa revela a urgência de ações proativas por parte das empresas para o enfrentamento das situações de discriminação, constrangimento e assédio contra mulheres no ambiente de trabalho. É preciso que as empresas reconheçam a gravidade dessas situações e respondam com ações concretas e efetivas.
Jacira Melo, diretora executiva do Instituto Patrícia Galvão