Criminalização do Aborto no Brasil: um estudo sobre os itinerários penais e punitivos no período de 2012 a 2022 (Anis – Instituto de Bioética, 2025)

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Entre 2012 e 2022, 569 pessoas foram criminalizadas por aborto no Brasil.

A partir da análise de 402 processos, a pesquisa identificou diferentes perfis entre as pessoas criminalizadas. Ao todo, 569 indivíduos foram incriminados:

  • 183 mulheres processadas por autoaborto;
  • 120 pessoas que prestaram serviços relacionados ao aborto (nem sempre profissionais de saúde);
  • 98 corrés mencionadas nos processos, mas sem informações detalhadas;
  • 44 profissionais de saúde denunciados;
  • 38 pessoas envolvidas ou participantes;
  • 28 familiares das mulheres envolvidas;
  • 25 pessoas não identificadas;
  • 20 homens agressores, acusados de coagir ou forçar a gravidez;
  • 13 parceiros ou ex-parceiros acusados por envolvimento nos casos.

A maioria das pessoas criminalizadas são mulheres em situação de vulnerabilidade, e os números reais podem ser ainda maiores, já que muitos processos não aparecem nos registros públicos.

Perfil socioeconômico:

  • Maioria são mulheres negras, periféricas e mães
  • Trabalhos precarizados ou informais (domésticas, pedreiros, serviços gerais)
  • Sem antecedentes criminais, representadas pela Defensoria Pública
  • Baixo acesso à educação: poucas com ensino médio ou superior

Em 46% dos processos analisados, a denúncia partiu dos próprios serviços de saúde, em violação ao sigilo médico. 

Conselhos tutelares também aparecem como denunciantes, inclusive em casos envolvendo adolescentes, expondo prontuários e relatórios de atendimento.

Além disso, há registros de profissionais que coagiram mulheres a confessar ou utilizaram provas obtidas em contextos de emergência obstétrica.

Muitos processos por aborto contra mulheres se apoiam em provas frágeis ou ilegais, como confissões forçadas e boatos. 

Mesmo sem evidências, o Ministério Público insiste nas ações, deixando mulheres anos na Justiça, evidenciando violações da presunção de inocência, onde julgamentos morais substituem a lei, transformando suspeitas em punições.

Como resultado dessas violências, quatro em cada cinco mulheres foram condenadas — vítimas que acabaram se tornando rés.

Meninas e mulheres vítimas de estupro foram processadas por aborto, enquanto homens agressores em casos de aborto forçado receberam penas brandas. É um ciclo de violências que se repete: da agressão à criminalização.

Sobre a pesquisa: 

A pesquisa “Criminalização do Aborto no Brasil: um estudo sobre os itinerários penais e punitivos no período de 2012 a 2022” foi realizada pela Anis – Instituto de Bioética e integra a Iniciativa Regional sobre a Criminalização do Aborto (IRCA), com apoio da organização de direitos humanos Ríos/Rivers. O estudo analisa como o sistema de justiça brasileiro lidou com casos de autoaborto (art. 124 do Código Penal) e aborto com consentimento da gestante (art. 126 do Código Penal) no período de 2012 a 2022. A pesquisa também deu origem à campanha “Poderia ser eu – por uma saúde sem medos”, que documenta e denuncia os impactos da criminalização do aborto em seis países da América Latina e do Caribe: Brasil, Chile, Guatemala, Peru, República Dominicana e Uruguai.

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