Medo, ameaça e risco: percepções e vivências das mulheres sobre violência doméstica e feminicídio (Instituto Patrícia Galvão/Consulting do Brasil, 2024)
- Instituição/Órgão
- Instituto Patrícia Galvão
- Âmbito
- nacional
- Ano
- 2024
Assim, é possível estimar que quase 17 milhões de brasileiras já viveram ou vivem em situação de risco de feminicídio. E mesmo para as mulheres que não enfrentaram o risco de serem vítimas de um feminicídio, esse tipo de violência está por perto: 6 em cada 10 brasileiras conhecem ao menos uma mulher que já foi ameaçada de morte pelo atual ou ex-parceiro ou namorado. Estes são dados da pesquisa “Medo, ameaça e risco: percepções e vivências das mulheres sobre violência doméstica e feminicídio”, realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Consulting do Brasil, com apoio do Ministério das Mulheres.
Para 9 em cada 10 entrevistadas, todo feminicídio pode ser evitado se a mulher receber proteção do Estado e da sociedade. Mas a ampla maioria das entrevistadas considera que de nada vale a mulher ter uma medida protetiva se o agressor não respeita essa ordem e nem a polícia garante sua segurança.
Sensação de impunidade e descrédito sobre a efetividade das leis e políticas públicas
Pouco mais de 2 em cada 3 mulheres acham que nada acontece com homens que cometem violência doméstica. Apenas 20% das entrevistadas acreditam que homens que cometem violência são presos. Assim, embora saibam que violência doméstica é crime, os homens têm a convicção de que não serão punidos, segundo 95% das respondentes.
8 em cada 10 mulheres acreditam que aumentar a pena para o crime de violência doméstica contra a mulher pode contribuir para evitar mais casos de feminicídio. Ao mesmo tempo, 9 em cada 10 mulheres concordam que evitar o assassinato da mulher é mais importante do que punir o assassino.
A ampla maioria das entrevistadas concorda que se as mulheres ameaçadas de morte contassem com o apoio do Estado se sentiriam mais seguras para denunciar: 75% das mulheres brancas acreditam na importância do apoio do Estado (polícia, justiça) x 82% das mulheres pretas (considerando a quantidade de respondentes em cada grupo).
Porém, 8 em cada 10 entrevistadas concordam que a polícia não leva a sério uma denúncia de ameaça e nem o risco que a mulher corre. Da mesma forma, 8 em cada 10 entrevistadas consideram que a Justiça brasileira não dá a devida importância para a violência contra as mulheres.
Na avaliação das entrevistadas, embora considerem que os serviços de atendimento às mulheres agredidas são bons, 8 em cada 10 mulheres concordam que eles não dão conta de atender todas as mulheres em todo o país.
21% das mulheres já foram ameaçadas de morte por parceiro/namorado
18% afirmaram que já foram ameaçadas de morte por algum/ex-parceiro ou namorado; e 3% já sofreram ameaças de mais de um parceiro/namorado. Considerando o recorte por raça/cor, enquanto a incidência em mulheres brancas foi de 16%, no grupo de mulheres negras foi de 26%, isto é, 10% a mais.
6 em cada 10 mulheres terminaram o relacionamento quando ameaçadas de morte por algum parceiro/namorado
44% das mulheres sentiram muito medo de serem mortas quando passaram por essa situação, sendo que 37% denunciaram à polícia. Já em relação a cada grupo de entrevistadas, por recorte de cor/raça, percebe-se que praticamente o dobro das mulheres pretas terminam mais o relacionamento (19%) em relação às mulheres brancas (10%). Já em relação ao recorte por raça/cor, os dados mostram que 6% das mulheres brancas, quando ameaçadas, denunciam à polícia, ao passo que 13% das mulheres pretas fazem a denúncia.
O pedido de medida protetiva como reação à ameaça acompanha a mesma correlação, em que as mulheres pretas apontam o dobro de reação (6%) em relação às mulheres brancas (3%).
A maioria das entrevistadas conhece ao menos uma mulher que já foi ameaçada de morte pelo atual/ex-parceiro ou namorado
6 em cada 10 mulheres (61%) conhecem ao menos uma mulher que já foi ameaçada de morte pelo atual/ex- parceiro ou namorado. Procurar a polícia foi a principal reação de 64% das entrevistadas quando ficou sabendo sobre a situação de ameaça de uma mulher por seu parceiro/namorado atual ou ex. Em média, apenas 6% das mulheres dizem que não se envolvem com a situação de ameaça de outra mulher vítima de violência doméstica.
Metade das mulheres ameaçadas conhecidas das entrevistadas temem serem mortas pelo agressor. Segundo as entrevistadas, 1 em cada 3 mulheres que passaram pela situação de serem ameaçadas de morte pelo atual/ex-parceiro ou namorado denunciou à polícia e pediu medida protetiva, mas apenas 1 em cada 4 terminou o relacionamento após longo tempo sofrendo violência.
Por que as mulheres permanecem em relações violentas?
Dependência econômica do agressor foi apontado como o principal motivo para as mulheres que sofrem constantes agressões do marido/ parceiro/namorado não conseguirem sair da relação violenta.
Em média, o medo está presente em 46% das razões apontadas para a manutenção das mulheres nas relações violentas (44% nas mulheres brancas e 49% nas mulheres negras)
Assistência social e psicológica para fortalecer a autoestima e se tornar financeiramente independente do agressor é o que mais as mulheres dizem precisar para sair da relação violenta
Cerca de 9 em cada 10 mulheres (89%) acreditam que os casos de feminicídio íntimo, isto é, o assassinato de mulheres por atual/ex-parceiro, acontecem por motivo de ciúmes e possessividade dos parceiros/namorados que se acham donos das mulheres.
A cultura machista é apontada por 44% como motivo para o feminicídio íntimo.
Percepção do risco de feminicídio e busca de ajuda
Pouco menos da metade das mulheres (44,5%) acreditam que, em qualquer momento, seja quando ela conta para família/amigos que está sendo ameaçada ou quando ela decide terminar a relação ou quando ela denuncia para a polícia e pede a medida protetiva, a mulher corre maior risco de ser morta pelo atual/ex-parceiro.
7 em cada 10 entrevistadas concordam que as mulheres ameaçadas não acreditam que podem ser assassinadas
Para 85% das entrevistadas, terminar a relação é a melhor forma de acabar com o ciclo da violência doméstica e evitar o feminicídio.
A quase totalidade das entrevistadas concorda que mulheres que permanecem em relações violentas estão correndo risco de serem mortas e 9 em cada 10 entrevistadas concordam que é melhor não arriscar: a mulher ameaçada deve denunciar o agressor imediatamente à polícia.
Igualmente, quase todas as entrevistadas concordam que arma de fogo em casa desestimula a mulher a denunciar a violência doméstica e aumenta o risco de que ela seja assassinada. A maioria absoluta também concorda que a família, vizinhos, amigos ou colegas, ao perceberem que uma mulher está sendo ameaçada e sob risco, devem dar apoio e/ou denunciar.
Em caso de agressão e/ou ameaça, para onde ligar?
6 em cada 10 mulheres (60%) disseram de forma espontânea que se uma mulher está sendo agredida ou ameaçada pelo atual ou ex-parceiro e corre risco de ser morta, o número do telefone de emergência que deve ser acionado em primeiro lugar é o 190. Mulheres brancas têm mais informações sobre o 190: 62% brancas x 54% pretas. O Ligue 180 foi citado por 1 em cada 4 mulheres (25%).
Delegacia da Mulher é a principal referência na ajuda em caso de violência contra a mulher
De forma espontânea, 7 em cada 10 mulheres (70%) identificam a Delegacia da Mulher como o local ou serviço no qual uma mulher que está sendo ameaçada de violência pelo atual/ex-parceiro pode buscar ajuda. Na pergunta estimulada, esse percentual salta para 97%.
Sensação de impunidade e descrédito sobre a efetividade das leis e políticas públicas
Pouco mais de 2 em cada 3 mulheres acham que nada acontece com homens que cometem violência doméstica. Apenas 20% das mulheres acreditam que homens que cometem violência são presos.
A ampla maioria das entrevistadas concorda que se as mulheres ameaçadas de morte contassem com o apoio do Estado se sentiriam mais seguras para denunciar.
Embora saibam que violência doméstica é crime, os homens têm a convicção de que não serão punidos, segundo 95% das entrevistadas.
8 em cada 10 entrevistadas concordam que os policiais não acreditam na seriedade da denúncia da ameaça e no risco que a mulher corre.
A Justiça brasileira não dá a devida importância para a violência contra as mulheres na opinião de 8 em cada 10 entrevistadas.
Embora os serviços de atendimento às mulheres agredidas sejam bons, 8 em cada 10 mulheres concordam que não dão conta de atender todas as mulheres em todo o país.
9 em cada 10 mulheres concordam que evitar o assassinato da mulher é prioritário à punição do assassino.
A ampla maioria das mulheres concorda que não adianta apenas a medida protetiva se o agressor não respeita essa medida, nem a polícia garante sua segurança.
Todo feminicídio pode ser evitado segundo 9 em cada 10 entrevistadas, se a mulher receber proteção do Estado e da sociedade.
8 em cada 10 mulheres acreditam no aumento de pena para o crime de violência doméstica contra a mulher como medida para evitar mais casos de feminicídio íntimo.
Campanhas para prevenir a violência contra a mulher e os feminicídios
8 em cada 10 mulheres (81%) acreditam na promoção de campanhas para estimular a denúncia de violência doméstica contra a mulher como forma de evitar o feminicídio.
2 em cada 3 mulheres (66%) acreditam na promoção de campanhas para conscientizar homens e mulheres sobre o problema da violência doméstica, que pode levar a um feminicídio.
6 em cada 10 mulheres (62%) acreditam na promoção de campanhas e debates nas escolas sobre igualdade e respeito entre homens e mulheres.
Influência da mídia/redes sociais sobre percepção de aumento do feminicídio no Brasil
9 em cada 10 mulheres acreditam que o feminicídio aumentou nos últimos 5 anos.
6 em cada 10 mulheres acreditam que o aumento nos casos de feminicídio está atrelado à sensação de impunidade.
Para 8 em cada 10 mulheres, as redes sociais têm papel fundamental para conscientizar e mobilizar a sociedade contra o feminicídio. Entre as estratégias apontadas estão: criar campanhas de conscientização e educação sobre violência contra as mulheres, monitorar e denunciar conteúdos que promovam a violência contra as mulheres, estabelecer grupos de apoio online onde as vítimas possam compartilhar experiências e obter ajuda e utilizar influenciadores digitais para promover mensagens de igualdade de gênero e respeito entre mulheres e homens.
Sobre este estudo
A pesquisa Medo, ameaça e risco: percepções e vivências das mulheres sobre violência doméstica e feminicídio, foi conduzido pelo Instituto Patrícia Galvão em parceria com a Consulting do Brasil, em novembro de 2024. O estudo contou com o apoio do Ministério das Mulheres, por meio da emenda parlamentar do mandato da deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP). Ao todo, 1.353 mulheres com 18 anos ou mais participaram do levantamento, respondendo a um questionário online aplicado entre os dias 23 e 30 de outubro de 2024.